Teles de Menezes


T e l e s  d e  M e n e z e s

26/07/1825 – 16/03/1893

Pré-história do Espiritismo no Brasil

Foi em meados de 1853 que as primeiras manifestações espiríticas, por meio das chamadas “mesas girantes e falantes”, entraram no Brasil. Os singulares fenômenos, que então empolgavam a América do Norte, a Europa e parte da Ásia, eclodiram, quase que simultaneamente, na Corte do Rio de Janeiro, no Ceará, em Pernambuco e na Bahia. Figuras ilustres de nossa Pátria, como o Marquês de Olinda, os Viscondes de Uberaba e de Monte Alegre, o Barão de Cairo (Bento da Silva Lisboa), o Conselheiro Barreto Pedroso, monsenhor Joaquim Pinto de Campos, o magistrado Dr. Henrique Veloso de Oliveira, o historiador Alexandre José de Melo Morais, o Dr. Sabino Olegário Ludgero Pinho, o Prof. Dr. José Mauricio Nunes Garcia, os Generais José Inácio de Abreu e Lima e Pedro Pinto, etc., foram alguns dos homens notáveis da época interessados na observação e no estudo dos incipientes fenômenos espíritas, então complementados por assombrosos diagnósticos e curas de doenças que se obtinham por intermédio de sonâmbulos, e de cuja veracidade deram testemunho inúmeros outros políticos, médicos e pessoas gradas da sociedade, conforme o noticiário publicado nos jornais daqueles tempos. Foram, todavia, as “mesas girantes” o fenômeno que mais impressionara a letrados e iletrados. Nos vastos salões senhoriais, cavaleiros e damas de distinta consideração agrupavam-se em torno de mesas e, colocando os dedos mínimos sobre elas, ficavam na expectativa de vê-Ias moverem-se, ou bater os pés em respostas inteligentes às perguntas que se lhes faziam. De quando em vez registravam-se extraordinárias manifestações do Além, mas só raramente despertavam reflexões mais sérias entre os assistentes em geral.

A “época heroica das mesas girantes”, assim chamada pelo Dr. J. Grasset, constituiu, em todo o mundo, o “período de gestação” do Espiritismo. A obra codificadora de Allan Kardec abriu, em 1857, novos horizontes para a Humanidade. E o Brasil, onde era considerável a influência francesa, recebia, poucos anos depois, os primeiros livros da Codificação Kardequiana, aqui se tomando, afinal, conhecimento do verdadeiro significado dos fatos acima referidos, sobre os quais se havia levantado toda uma nova doutrina de verdades filosóficas e religiosas. Na Corte de 1860, um ilustrado francês, o Prof. Casimir Lieutaud, poeta e contista, diretor-fundador de um Colégio onde lecionava a língua francesa, autor do apreciadíssimo “Tratado Completo da Conjugação dos Verbos Franceses, Regulares e Irregulares” (1859), cuja 25ª edição saiu em 1957, — dava a público a primeira obra de caráter espírita impressa no Brasil (e quiçá na América do Sul): “Les temps sont arrivés” (“Os tempos são chegados”).

Seguiu-se a esta, em português, a brochura de Allan Kardec intitulada “O Espiritismo na sua mais simples expressão”, traduzida do francês por Alexandre Canu. Três edições sucessivas, todas impressas em Paris, saíram em 1862, o mesmo ano de lançamento da 1ª edição francesa, fato este que chamou a atenção do próprio Codificador. Em vários Estados da União o movimento espírita primário começou a ganhar rumos mais definidos. Os adeptos, isolados a princípio, puseram-se a formar grupos íntimos para o estudo das obras kardequianas e para experiências mediúnicas. Foi principalmente na classe esclarecida da sociedade que o Espiritismo fez, aqui, seus primeiros progressos, posto que as obras fundamentais, por não se acharem ainda traduzidas para o vernáculo, não podiam ser lidas pelas classes menos instruídas. Os referidos grupos só congregavam umas poucas pessoas, geralmente da intimidade familiar, não dando ensejo, por isso, a maior divulgação das novas doutrinas. Foi, então, que um venerável vulto baiano, levado, segundo suas próprias palavras, “por um concurso de circunstâncias inexplicáveis”, deu o primeiro passo para que o povo igualmente recebesse os ensinos consoladores trazidos pelos Espíritos do Senhor. Referimo-nos a LUIS OLIMPIO TELES DE MENEZES, do qual passamos a narrar a

Vida e Obra

Este valoroso pioneiro do Espiritismo no Brasil, filho do Oficial de Exército Fernando Luís Teles de Menezes e de D. Francisca Umbelina de Figueiredo Menezes, nasceu na cidade do Salvador, Bahia, aos 26 de julho de 1825, e desencarnou no Rio de Janeiro a 16 de março de 1893.

Bem cedo ainda, resolveu seguir a carreira militar, inscrevendo-se no curso de Artilharia. Pouco tempo depois, entretanto, deu novo rumo ao seu espírito empreendedor, dedicando-se ao magistério particular e às letras.

Por vários anos foi professor de instrução primária e de latim, tendo publicado um compêndio de “Ortoépia da Língua Portuguesa”. Interessando-se pela estenografia, estudou-a sem mestre, e desde logo se revelou hábil nessa arte, sendo então convidado para exercer a profissão, muito rara naqueles tempos, na Assembleia Legislativa da Bahia, a cujo serviço permaneceu cerca de trinta anos. Autodidata por excelência, acumulou muitos e variados conhecimentos, que lhe granjearam o respeito e a consideração de inúmeras pessoas altamente colocadas na sociedade de Salvador.

Em Setembro de 1849, distinto grupo de associados entre os quais se destacava o jovem L. O. Teles de Menezes, fundou “A Época Literária”, jornal de caráter científico, literário e histórico, com dissertações sobre belas-artes. Publicada sob os auspícios do Visconde da Pedra Branca, do Conselho de S. M. o Imperador D. Pedro II e grande protetor das letras pátrias, “A Época Literária” recebeu o apoio de influentes personalidades da capital baiana, inclusive do sábio Arcebispo D. Romualdo Antônio de Seixas, que considerou importante o serviço que o referido órgão prestava e prestaria à ilustração do País. Do corpo de redação faziam parte José Martins Pereira de Alencastre, Dr. Manuel Maria do Amaral Sobrinho, José Álvares do Amaral e Dr. Inácio José da Cunha, tendo estes dois últimos ingressado, mais tarde, no Espiritismo.

Em suas páginas —escreveu o acadêmico Dr. Pedro Calmon — colaboraram os melhores espíritos da época, entre eles Moniz Barreto, Pinheiro de Vasconcelos, Adélia Fonseca, João Gualberto de Passos, Laurindo José da Silva Rabelo, etc. Teles de Menezes, então com a idade de 24 anos, já casado, havia um ano, com D. Ana Amélia Xavier de Menezes, publicou ali a sua novela — “Os Dois Rivais” e foi, sem dúvida, o mais entusiasmado do grupo, o verdadeiro dirigente do jornal, escrevendo substanciosos editoriais, a extravasar seu elevado patriotismo e o constante amor às boas causas.

Apesar dos esforços e do ardor juvenil de Teles de Menezes, a empresa, tão bem principiada, malogrou ante a incompreensão quase que geral do público e dos críticos invejosos. Era menos uma folha literária entre as pouquíssimas então existentes na Bahia… Corre o tempo. Na data de 3 de maio de 1856 é solenemente instalado em Salvador o (antigo) Instituto Histórico da Bahia. Congregando em seu seio as mais altas figuras da inteligência e da cultura baianas, teve como primeiro presidente o Arcebispo D. Romualdo, Marquês de Santa Cruz. Teles de Menezes é proposto, em 1857, para sócio efetivo, o mesmo acontecendo com outros homens de alto nível cultural, entre os quais o seu amigo Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas.

De julho de 1861 a maio de 1865, o nosso biografado ocupou o cargo de tesoureiro no referido Instituto.

A seguir, e durante dois anos, foi eleito para a Comissão de Fundos e Orçamento. Daí por diante nada mais conseguimos apurar.

No último período acima referido, galgou a presidência do Instituto Histórico o novo Arcebispo da Bahia, D. Manuel Joaquim da Silveira, cuja Pastoral sobre “os erros perniciosos do Espiritismo”, datada de 16 de Junho de 1867, e dada ao conhecimento público em 25 de Julho, foi desassombradamente analisada e comentada por Teles de Menezes, no mês seguinte, numa célebre “Carta” aberta ao Metropolitano e Primaz do Brasil, “Carta” que teve duas edições no mesmo ano de lançamento, sendo que a segunda é precedida de um longo “Prefácio” em que o Autor justifica as doutrinas espíritas no atinente à preexistência, reencarnação e manifestação dos Espíritos, juntando um artigo favorável publicado no jornal jesuítico — “La Civiltà Cattolíca”, de 1857.

Segundo cremos, essa Pastoral surgiu por causa da propaganda ostensiva da Doutrina Espírita nas terras baianas, quer em folhetos, quer nos jornais leigos, ressaltando-se dois acontecimentos que certamente vieram apressar o pronunciamento público daquele ilustre prelado. Um deles diz respeito ao artigo que Teles de Menezes, José Álvares do Amaral e o Dr. Joaquim Carneiro de Campos subscreveram e inseriram no “Diário da Bahia” de 28 de Setembro de 1865, artigo que refutava o trabalho do Dr. Déchambre, publicado, havia seis anos, na “Gazette Médicale”, de Paris, e que, nos dias 26 e 27, saíra, em tradução, no mesmo “Diário da Bahia”. O artigo-réplica daqueles três impávidos vanguardeiros ecoou favoravelmente no espírito dos leitores, chegando ao conhecimento do próprio Allan Kardec, que em sua “Revue Spirite” de novembro de 1865 expressou, em torno do fato, a justa satisfação que lhe ia n´alma, projetando-se assim, pela vez primeira, no cenário espírita mundial, o nome do Brasil.

Outra ocorrência que motivou a movimentação maior do Clero foi o lançamento, em Salvador, no ano de 1866, do opúsculo “O Espiritismo – Introdução ao Estudo da Doutrina Espirítica”, impresso pela “Tip. de Camilo de Lellis Masson & C.”. Eram páginas extraídas e traduzidas por L. O. Teles de Menezes da 13ª edição francesa de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, e havia como “Apêndice” um estudo de outro autor francês. Antecede essa obra o prefácio “Lede”, em que Teles de Menezes diz do seu júbilo ‘de ter sido o primeiro na Bahia que, fervorosamente, esposou a doutrina espirítica’, afirmando, adiante, ser a sua Província natal, “metrópole de todas quantas grandes ideias surgem no Brasil”, a escolhida pela Bondade Divina para ser o centro donde as ideias espíritas se irradiariam por toda a Nação.

Não obstante a Pastoral do Arcebispo e a brochura do Padre Juliano José de Miranda, secretário da Sé Metropolitana, escrita em contestação à “Carta” de Teles de Menezes, nada impediu que o Espiritismo multiplicasse adeptos na Bahia, aprofundando raízes nos corações férteis e generosos do povo.

Afora isso, o movimento desenvolvia-se a olhos vistos nas demais Províncias. Na capital de S. Paulo, ainda no ano de 1866, era dado a público, pela ‘Tipografia Literária’, uma outra brochura de propaganda: “O Espiritismo reduzido à sua mais simples expressão’, também de Kardec, sem nome de tradutor. Na Corte do Rio de. Janeiro, Casimir Lieutaud, a quem já nos referimos atrás, trabalhava ativamente na divulgação dos ideais espíritas. Igualmente em 1866, saía a lume um livrinho de sua autoria: ‘Legado de um mestre aos seus discípulos’, composto de contos morais, de algumas poesias em francês e de um excerto de J. J. Rousseau sobre os deveres das moças. Pois bem! o ‘Prefácio’ dessa obra era uma bela página extraída e traduzida da 1ª edição francesa de “O Evangelho segundo o Espiritismo”. Fora Lieutaud grande amigo do Brasil e dos brasileiros e manteve estreito contacto com Teles de Menezes, com quem se correspondia amiúde. Mesmo durante a sua estada temporária na França, ainda ao tempo de Kardec, o erudito espírita enviava de Oloron-Sainte-Marie (Baixos Pireneus), ao confrade baiano suas preciosas colaborações. Retomando ao Rio de Janeiro, foi eleito tesoureiro da primeira diretoria do «Grupo Confúcio», criado em 1873, inscrevendo-se, mais tarde, entre os membros fundadores da Federação Espírita Brasileira.

“Grupo Familiar do Espiritismo”

Objetivando espalhar por esses Brasis afora as sementes da Terceira Revelação, o Alto, que a tudo presidia, escolhera como ponto de irradiação a dadivosa Bahia, onde foram lançados os alicerces da Nação cristã que hoje somos e da “Pátria do Evangelho” que haveremos de ser. E é, então, na ‘Leal e Valorosa Cidade’ do Salvador que Luís Olímpio Teles de Menezes organiza uma sociedade nos moldes desejáveis, regida por Estatutos que facultavam o ingresso de quaisquer estudiosos e instituíam o trabalho assistencial nos meios espíritas. Fundou-se assim, a 17 de setembro de 1865, o “GRUPO FAMILIAR DO ESPIRITISMO”, o primeiro e legítimo agrupamento de espíritas no Brasil, destinado igualmente a orientar a propaganda e a incentivar a criação de outras sociedades semelhantes pelo resto do País.

“O dia 17 de setembro de 1865” — escreveu Teles de Menezes — “marcará uma época feliz em nossa vida, e o deverá também ser nos fastos do Espiritismo no Brasil”. Às 23,30 horas[1] desse mesmo dia, os membros do Grupo recém-fundado recebiam, assinada por “Anjo de Deus”, a primeira página psicográfica de que se tem notícia na Bahia, fato este que lhes trouxe inefável felicidade. Dos termos desta e de outras mensagens posteriores, depreende-se que o Espírito comunicante revelava-se possuído de elevados dotes morais, embora ainda preso a certos dogmas católicos, que entremostravam a presença, talvez, de um sacerdote desencarnado não havia muito.

Em razão de todo esse conjunto de sucessos pioneiros, é que a Bahia é tida como o “berço do Espiritismo” em terras brasileiras.

Na presidência do “Grupo Familiar do Espiritismo ‘, Teles de Menezes distinguiu-se pelo seu ânimo forte, pela sua cultura e elevação de sentimentos, suportando com destemor e firmeza d´alma o espírito zombeteiro dos incrédulos e materialistas da terra de Gregório de Matos, bem como o ambiente hostil da religião dominante, então a Religião do Estado, segundo o art. nº § 5°, da Constituição do Império. É exemplo expressivo das chacotas e chufas, lançadas contra ele e o Espiritismo, os versos e as curtas e burlescas composições teatrais que a “Bahia ilustrada”’ publicava desde o ano de sua fundação, em 1867. Esse mesmo jornalzinho de Salvador estampou várias caricaturas depreciativas do Espiritismo, quase todas grosseiras, ofensivas ou injuriosas. Tudo isso era feito sem que as autoridades fizessem valer o art. 277 do Código Criminal do Império, artigo que prescrevia pena para quem abusasse ou zombasse de qualquer culto estabelecido no Brasil. E não havia como negar o caráter religioso do Espiritismo já naquela época, caráter reconhecido pelo próprio Arcebispo da Bahia, D. Manuel Joaquim da Silveira, ao escrever: “O Espiritismo é essencialmente religioso, ou antes, é um atentado contra a Religião Católica.

No curioso artigo intitulado “Seria Castro Alves espírita?”, publicado em “Globo” de 19/8/61, o brilhante homem de letras, crítico e ensaísta baiano, Dr. Eugênio Gomes, conta que Castro Alves volveu à Bahia justamente em meado daquele ano de 1867, quando mais adverso era o ambiente para com o Espiritismo, ali permanecendo até fevereiro de 1868.

Certamente eram do conhecimento de Castro Alves, apaixonado discípulo de Vítor Hugo, as experiências com as “mesas girantes” realizadas na ilha de Jersey.

Por meio desse processo, o romancista de “Os Miseráveis”, juntamente com Augusto Vacquerie, Sra. Emílio de Girardin e outros vultos da Literatura francesa, tinham obtido notáveis comunicações do Além. O fato é que a doutrina dos Espíritos já influenciava várias produções do genial poeta de “Les Contemplations”, inclusive o seu poema autobiográfico “A Olímpio”, traduzido por Castro Alves.

Chegando à terra natal, o jovem poeta baiano, que sempre se bateu contra qualquer opressão e que vibrava com todas as ideias novas, viu “a doutrina de Kardec lutando por um lugar ao sol, ou melhor dito, à sombra”, o que “já era uma razão para inspirar-lhe algum interesse e mesmo simpatia. Não estava em si permanecer indiferente aos perseguidos…”

E afirma o Dr. Eugênio Gomes haver, em dois dos manuscritos do poeta, “indicação positiva de que essa corrente do espiritualismo o atraiu de qualquer modo”.

Um deles é revelado por Afrânio Peixoto na sua introdução a “Os Escravos”; outro é o fragmento da peça “D. Juan ou a Prole dos Saturnos”. O interessante trabalho de Eugênio Gomes faz outras curiosas revelações e transcreve um trecho da carta que Augusto Álvares Guimarães, amigo e “cunhado de Castro Alves, a este respondera, da Bahia, na data de 30 de junho de 1870, cerca de um ano antes de o poeta desencarnar: “Não há nenhuma obra de Allan Kardec com o nome de Poética do Espiritismo.

Foi-me facultada a consulta em uma Biblioteca Espírita e verei o que te poderá servir. Mandar-te-ei pelo Gregório que é portador seguro.”

Diante disto, concluiu o distinto autor de “Prata de Casa”: “O que Castro Alves produziu depois não deixa transparecer qualquer influxo direto do Espiritismo, mas não resta dúvida que este o preocupava, talvez apenas literariamente, em seu derradeiro ano de existência.”

Se Teles de Menezes conservou seu espírito acima dos sarcasmos, motejos e diatribes vindos de fora, o mesmo não aconteceu quando o demônio da vaidade, da inveja e da intriga se insinuou entre alguns confrades, amargurando-lhe profundamente a alma sensível, levando-o a dar, mais tarde, a explicação a seguir, não obstante confessasse a tranquilidade de sua consciência: “Imensa, por sem dúvida, é a distância que me separa do fundador da Doutrina, mas como em outra ocasião já vos disse[2], tendo sido, por um concurso de circunstâncias inexplicáveis, levado a ser como que o iniciador das doutrinas espiríticas nesta terra de Santa Cruz, tenho também, à semelhança do mestre, experimentado certas antipatias e afastamentos. Causaria, porém, admiração, e mesmo talvez pasmo, se a causa verdadeira de tais fatos de muitos fosse conhecida. Em todo caso, os que assim têm procedido é porque não me perdoam tê-los adivinhado; a esses devem ser aplicadas as significativas e judiciosas reflexões do mestre: “Se quisessem por momentos colocar-se no ponto de vista extraterrestre, e ver as coisas um pouco mais de cima, compreenderiam como é pueril o que tanto os preocupa, e não se admirariam da pouca importância que a isso liga todo verdadeiro espírita: é que o Espiritismo abre horizontes tão vastos, que a vida corpórea, curta e efêmera como é, apaga-se com todas as vaidades e suas pequenas intrigas diante do infinito da vida espiritual.”

Varão cheio de fé e inquebrantável dedicação aos labores construtivos na Seara Espírita, Teles de Menezes não largava as mãos do arado. Vez por outra, como que a prevenir os seus sucessores do caminho áspero a ser trilhado, dizia dos sacrifícios sem conta que ele e os irmãos de ideal vinham arrostando no desempenho da árdua missão que o Alto lhes cometera, “árdua e até espinhosa, sim, mas irradiante de bem fundadas esperanças”, assegurava ele entre resignado e confiante.

Se Jesus teve os doze apóstolos para o auxiliarem na disseminação da Boa Nova, não faltou igualmente a Teles de Menezes um seleto grupo de denodados companheiros, aos quais afetuosamente chamava “Irmãos Espíritas”, e que ofereceram desde o simples apoio moral até o trabalho ativo na Seara. Entre os que mais lhe foram. chegados, merecem aqui lembrados aqueles cujos nomes seguem abaixo, alguns dos quais foram igualmente destacadas personalidades baianas: Inácio José da Cunha, doutor em Medicina, substituto (assistente) de Ciências Acessórias na Faculdade de Medicina da Bahia e lente catedrático de Física; Dr. Guilherme Pereira Rebelo, “uma das glórias científicas e literárias da Província da Bahia”, por muitos anos Diretor Geral da Instrução Pública em Sergipe, sócio e orador do Instituto Histórico da Bahia, fundador e diretor do acreditado Colégio “Pártenon Buhiano”; José Álvares do Amaral, historiador, oficial aposentado da Secretaria do Tesouro Provincial, tendo exercido cargos de eleição popular e de confiança do Governo, como o de Delegado de Polícia, colaborador em vários periódicos baianos, v. g. “A Marmota”; o Conselheiro de Estado, Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas, proeminente figura nacional, que governou a Bahia na época em que se fundava o “Grupo Familiar do Espiritismo”; Dr. Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima, advogado inteligente, orador fecundo e hábil, 21º Presidente da Província da Bahia, dignitário da Imperial Ordem da Rosa, “um homem de bem na extensão da palavra”, pelo que lhe deram o título de “O Catão Baiano”; Prof. Manuel Correia Garcia, erudito e culto educador, político e jornalista, escolhido pelo Governo para fundar a primeira Escola Normal da Bahia, advogado ilustre e doutor em Filosofia pela Universidade de Tubinga (Alemanha), principal fundador do antigo Instituto Histórico da Bahia e ali sempre reeleito 1º secretário; o Visconde de Passé (Francisco Antônio da Rocha Pita e Argolo), comendador da Ordem da Rosa, tenente-coronel da famosa Guarda Nacional, com relevantes serviços no Imperial Instituto Agrícola da Bahia, e cujo pai, o Conde de Passé, reuniu a maior fortuna do seu tempo em território brasileiro; o Barão de Sauipe, proprietário de terras no Município de Alagoinhas (Ba), figura bem conceituada; José Antônio de Freitas, doutor em Medicina, lente catedrático da Faculdade da Bahia, agraciado com o título de Conselheiro do Imperador; Dr. Joaquim Carneiro de Campos, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Pernambuco; Manuel Teixeira Soares, brilhante advogado em Salvador; Zacarias Nunes da Silva Freire, professor primário em diversas cidades baianas, cultivou as letras, deixando várias e apreciadas obras; Joaquim Batista Imburana, major da Guarda Nacional, veterano da Independência, condecorado com a medalha da Campanha da Bahia e com a venera da Ordem da Rosa; Prof. José Francisco Lopes, lente de Geometria e Mecânica; Professores Aureliano Henrique Tosta, Marciano Antônio da Silva Oliveira, Francisco Álvares dos Santos, Gervásio Juvêncio da Conceição; Antônio Gentil Ibirapitanga, professor de Primeiras Letras do Arsenal de Guerra, veterano da Independência e primeiro mestre particular de Rui Barbosa; os Farmacêuticos José Martins dos Santos Pena e Dionísio Rodrigues da Costa; Dr. Eloy Moniz da Silva, distinto médico baiano; Conselheiro (futuro barão) Francisco Xavier de Pinto Lima, político, magistrado e administrador, com significativos serviços prestados à Pátria; Dr. Alexandre José de Melo Morais, respeitado médico homeopata, escritor e historiador de grande nomeada; etc., etc.

Foi o “Grupo Familiar do Espiritismo”, composto de “poucos, muito poucos homens, mas de firme convicção, de inabalável crença e animados da melhor vontade”, o primeiro núcleo espírita regularmente constituído com a decidida e heroica tarefa — podemos assim dizer — de abrir caminho, entre a gente brasileira, às novas verdades trazidas ao mundo pelos emissários do Senhor.

Por quase um decênio o “Grupo Familiar do Espiritismo” desempenhou, com louros e louvores, sua missão na Bahia, até que lhe viesse continuar a obra a “Associação Espirítica Brasileira”, como veremos adiante.

Com largos e benéficos reflexos em várias outras Províncias do Império, o “Grupo” de Teles de Menezes representará sempre o marco inicial do movimento espírita em nossas terras.

“Eco d’Além-Túmulo”

A 8 de Março de 1869, no “Grêmio dos Estudos Espiríticos na Bahia”, Luís Olímpio anunciava aos confrades ali reunidos que em breve sairia a lume o primeiro número de um jornal “que se consagraria — esclarecia ele — exclusivamente aos interesses da Doutrina”.

Nessa memorável noite, sua voz ecoou no coração dos companheiros que o escutavam, que não regatearam em contribuir monetariamente para a manutenção do órgão em vias de aparecer. Eram eles o Dr. Joaquim Carneiro de Campos, o Dr. Inácio José da Cunha, o Prof. José Francisco Lopes, o advogado Dr. Manuel Correa Garcia, os farmacêuticos José Martins Pena e José Martins dos Santos Pena, e o professor Aureliano Henrique Tosta.

Eis um trecho do discurso proferido por Luís Olímpio, e que foi publicado no jornal em questão, em setembro de 1869:

“Meus respeitáveis Irmãos Espíritas, “A ideia espirítica no curto espaço de três anos e meio, que há decorrido de sua manifestação entre nós, tem-se difundido com rapidez verdadeiramente providencial, não sem obstáculos, antes, sim, com sacrifício da parte daqueles que esposaram essa ideia de regeneração social. Contudo, disseminada e ainda sem corpo, longe está ela de poder, desde já, converter-se na crença que mais tarde, com o favor de Deus, há de imprimir impulso e direção ao elemento de civilização e de perfectibilidade da sociedade humana, porque tudo nos diz que ela é o único móvel que poderá levar a efeito esse desideratum de todo coração generoso que, sinceramente, palpita com os sentimentos da verdadeira caridade.

“A nós que nos achamos hoje reunidos, constituindo, naturalmente, o Grêmio dos Estudos Espiríticos na Bahia, e a quem uma certa vocação do Alto cometeu o empenho desta árdua missão, árdua e até espinhosa, sim, mas irradiante de bem fundadas esperanças, incumbe, pelos meios que de mister é serem empregados, propagar essa crença regeneradora e cristã, fazendo-a chegar, indistintamente, a todos os homens; e o meio material que a Providência sabiamente nos oferece para levar, rapidamente, a palavra da verdade à inteligência e ao coração de todos os homens, é a — Imprensa.”

“De há muito era por todos nós sentida a necessidade de possuir-se uma publicação regular para consecução desse fim, preenchendo todas as condições necessárias à propagação da salutar crença espirítica. Os elementos estavam lançados, e esta é a ocasião mais azada de invocar o vosso concurso e o vosso apoio para a execução e próspero resultado deste empenho.”

Embora os “formidáveis embaraços que os maus Espíritos, sempre em campo, para provação do bem, procuraram opor à realização dessa ideia[3], o dinamismo e o amor à Causa revelados por Olímpio Teles conseguiram vencer todos os obstáculos. Em julho de 1869, três meses após a desencarnação de Allan Kardec, o primeiro periódico espírita finalmente aparecia no Brasil: “O Eco d’Além-Túmulo”, com o subtítulo — “Monitor do Espiritismo no Brasil”, cuja publicação se fazia bimestralmente e que era impresso na Tipografia do “Diário da Bahia”.

A “Sociedade Anônima do Espiritismo”, de Paris, que então dirigia a conceituada “Revue Spirite”, agradece epistolarmente a Teles de Menezes, por seu secretário geral A. Desliens, a remessa do primeiro número do “Eco”, enaltecendo a coragem de tão abnegados espíritas do outro lado do Atlântico, elogiando sobremaneira o novo órgão de difusão da Doutrina, de 50 e poucas páginas.

Na seção “Bibliographie” da “Revue Spirite” é registrado em Outubro de 1869 “O Eco d’Além-Túmulo”, em Novembro do mesmo ano, extensa apreciação elogiosa, ocupando 4 páginas, é feita sobre a nova revista, com a citação de longo artigo extraído do “Eco” e vertido para o francês, sendo, além do mais, felicitado o Diretor por sua corajosa iniciativa.

Transcreveremos, mais pela alegria que nos suscita o conteúdo, do que por mera curiosidade, parte da “Introdução”, da autoria de Luís Olímpio e publicada no número um da referida revista baiana: “Maravilhoso é o fenômeno da manifestação dos Espíritos, e por toda a parte ei-lo que surge e se vulgariza!

“Conhecido desde a mais remota antiguidade, é visto hoje, em pleno século XIX, renovado, e, pela primeira vez, observado na América Setentrional, nos Estados Unidos, onde se produziu por movimentos insólitos de objetos diversos, por barulhos, por pancadas e por embates sobremodo extraordinários!

“Da América, porém, passa rapidamente à Europa, e aí, principalmente na França, após curto período de anos, sai ele do domínio da curiosidade, e entra no vasto campo da ciência.

“Novas ideias, emanadas então de milhares de comunicações, obtidas nas revelações dos Espíritos, que se manifestam, quer espontaneamente, quer por evocação, dão lugar à confecção de uma doutrina, eminentemente filosófica, a qual no volver de poucos anos tem circulado por toda a Terra e penetrado todas as nações, formando em todas elas prosélitos em número tão considerável, que hoje se contam por milhões.

“Nenhum homem concebeu a ideia do Espiritismo: nenhum homem, portanto, é seu autor. “Se os Espíritos se não tivessem manifestado, espontaneamente, certo que não haveria Espiritismo: logo é ele uma questão de fato, e não de opinião, e contra o qual não podem, por certo, prevalecer as denegações da incredulidade.

“A rapidez de sua propagação prova, exuberantemente, que se trata de uma grande verdade, que, necessariamente, há de triunfar de todas as oposições e de todos os sarcasmos humanos; e isso não é difícil de demonstrar-se, se atendermos que o Espiritismo faz seus adeptos, principalmente, na classe esclarecida da sociedade.”

“O maravilhoso fenômeno da comunicação dos Espíritos, e de sua ação no mundo visível, não é mais uma novidade, está demonstrado ser uma consequência das leis imutáveis que regem os mundos; é um fato que se produz desde o aparecimento do primeiro homem, e se tem perpetuado em todos os povos, por meio de todos os tempos, e sob caracteres diversos, dando o mais cabal testemunho dessa verdade os arquivos da História, quer sagrada, quer profana, onde se encontram registrados numerosos fatos de manifestações espiríticas.”

“A ação moralizadora do Espiritismo demonstra-se, quando consideramos que o egoísmo, essa chaga cancerosa da Humanidade, originado pelo materialismo, negação formal de todo o princípio religioso, é profundamente abalado por essa aurora celestial, que a Infinita Misericórdia do Onipotente se dignou de enviar à Terra, como precursora dessa nova e bem aventurada Era, em que os homens, melhor compreendendo os seus recíprocos deveres, de boa vontade cumprirão os salutares preceitos de Jesus, o Divino Salvador.

“É ainda a aurora precursora de nova era, porque à sua luz resplandecente vão-se dissipando as sombras da incredulidade, e pouco e pouco surgindo a fé e a esperança no coração daqueles que não possuíam tão cândidas virtudes!”

Foi num dos números de “O Eco d’Além-Túmulo” que Teles de Menezes registrou, com aquele seu entusiasmo natural, o exemplar que o zeloso funcionário da Fazenda, Júlio César Leal, lhe oferecera de seu livro “O Espiritismo — Meditações Poéticas sobre o Mundo Invisível, acompanhadas de uma evocação”, editado na cidade de Penedo (Alagoas), com prefácio de 18 de Novembro de 1869, fora ela a primeira obra poética de fundo espírita publicada no Brasil. Esse talentoso baiano, aplaudido dramaturgo, poeta e romancista, “pena hábil e bem aparada”, como que previu — segundo escreve Pedro Calmon em sua “História da Literatura Baiana” a guerra dos Canudos em seu drama “Antônio Maciel, o Conselheiro” (1858), e haveria de ser eleito, em 1895, presidente da Federação Espírita Brasileira.

Infelizmente, “O Eco d’Além-Túmulo”, que mui eficientemente propagava a doutrina espírita, transcrevendo artigos da «Revue Spirite» e páginas de “O Livro dos Espíritos”, teve, à vista das inúmeras dificuldades que logo após surgiram, duração não muito longa. É o próprio Luís Olímpio quem informa: “Essa publicação peregrina percorreu o seu primeiro ano, e apenas pôde encetar o segundo, lutando corajosamente com toda a sorte de oposição e de manejos em larga escala, sorrateiramente preparados.”

“Associação Espirítica Brasileira”

Data de 24 de Agosto de 1871, com trinta assinaturas, encabeçadas pela firma de Luís Olímpio Teles de Menezes, um requerimento ao Vice-Presidente da Província da Bahia, Dr. Francisco José da Rocha, então Presidente interino, solicitando-lhe se dignasse autorizar a incorporação da “Sociedade Espírita Brasileira”, que pretendiam estabelecer em Salvador, aprovando-lhe ao mesmo tempo os Estatutos anexados.

Embora a Constituição do Império, no seu art. 5º., permitisse a coexistência de outras religiões, desde que tivessem apenas culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas e sem forma alguma exterior de templo, e embora ainda estabelecesse (art. 179, § 59) que ninguém podia ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeitasse a do Estado e não ofendesse a moral pública, praticamente impossível era, na época, a aprovação, pelo Governo, dos Estatutos de sociedade religiosa que não fosse a católica, pois que, ex-ví do Decreto 2.711 de 19 de Dezembro de 1860, todas as sociedades religiosas e políticas, e outras, tinham que obter a aprovação antecipada do Ordinário na parte espiritual.

Como é claro, as primeiras sociedades espíritas procuraram, então, apresentar-se como literárias, beneficentes ou científicas, visto que estas não passavam pela aprovação do Ordinário. Foi o que fez a “Sociedade Espírita Brasileira”, declarando em seus Estatutos a sua condição de associação literária e beneficente. Todavia, isto de nada lhe valeu, conforme veremos, baseados em manuscritos existentes no Arquivo Público do Estado da Bahia.

O processo a que nos estamos referindo recebeu pareceres e informações do Provedor da Coroa, do Chefe de Polícia, do Diretor Geral da Instrução Pública, de um Cônego, professor de Religião, de um professor de Filosofia, ambos do Liceu Provincial, e do próprio Arcebispo D. Manuel Joaquim da Silveira, Conde de São Salvador.

Como é compreensível, o Clero se opôs tenazmente à nova e pretensões dos espíritas baianos, afirmando que o Espiritismo era “um atentado formal contra a verdade católica”, e que “uma sociedade, cuja doutrina tem por fim contrariar a Religião do Estado, é contra o mesmo Estado” (!).

Diante, principalmente, dos pareceres do Arcebispo e dos Professores, inteiramente contrários à aprovação dos Estatutos da “Sociedade Espírita Brasileira”, e levando em conta o apoio a eles dado pelo Diretor Geral da Instrução Pública, que frisava ser a Religião Católica a única “estabelecida e garantida pela Constituição do Estado, respeitada por todos os poderes, considerada a mais perfeita, a única verdadeira por seus dogmas”, foi o requerimento indeferido em fins de 1872, após permanecer na Secretaria de quatro Presidentes sucessivos, conquanto o Procurador da Coroa e o Chefe de Polícia houvessem exarado, em seus pareceres, que nada obstava a que a associação em pauta se constituísse “pela maneira projetada”.

Desejando os espíritas baianos organizarem-se em Sociedade com Estatutos aprovados pelo Governo, o que lhes garantiria certos direitos constitucionais, foi isto interpretado pelo Clero de maneira sub-reptícia, capciosa, levantando-se a ideia de que as Sociedades espíritas queriam agora professar a nova doutrina com a aprovação do Governo. Tudo isso, entretanto, não impediu que cerca de um ano depois, em 28 de Novembro de 1873, os componentes do “Grupo Familiar do Espiritismo”, a fim de se premunirem contra a intolerância religiosa, se constituíssem em sociedade científica, com o nome de “Associação Espirítica Brasileira, regida pela quase totalidade das disposições estatutárias do referido “Grupo” e que haviam sido também submetidas à aprovação governamental. Tomando por base a doutrina contida em “O livro dos Espíritos” e em “O Livro dos Médiuns”, ambos de Allan Kardec, a novel Associação, embora afirmando-se científica, tinha como fins “o desenvolvimento moral e intelectual do homem nas largas bases que cria a filosofia espirítica, e a exemplificação do sublime e celestial preceito da caridade cristã”, salientando-se que uma de suas divisas proclamava: “Fora da Caridade não há salvação”.

Teles de Menezes, que se havia colocado à frente dessa instituição, foi seu primeiro presidente e, pouco depois, ganhou o título de presidente honorário. No seu primeiro relatório aos membros da dita Associação, em 12 de dezembro de 1873, o impávido e sereno pioneiro relembra os obstáculos enfrentados pela Nova Revelação, assim dizendo num trecho do seu discurso:

“Desde que em 1865 o Espiritismo, essa ideia nova, pronunciou, para o Brasil, sua primeira palavra, lutas e dificuldades com sanha já desusada foram suscitadas pela cega e inconsequente incredulidade dos homens, que endurecidos se obstinam em fechar os olhos para não ver, em cerrar os ouvidos para não ouvir. Mas, senhores, como tudo que é providencial, como tudo que se firma em princípios certos, uma força misteriosa tem-no sempre alentado no seu imperturbável caminhar.” Ao finalizar seu relatório, Teles de Menezes solicitou sua exoneração por motivos imperiosos que o impediriam de prestar melhor assistência à Associação, acrescentando, ainda, que talvez lhe fosse preciso ausentar-se por algum tempo da Bahia.

Feita nova eleição, o cargo de presidente recaiu no Dr. Guilherme Pereira Rebelo, “uma das glórias científicas e literárias da Província da Bahia”. Entretanto só pôde ele presidir a uma sessão, aquela em que tomou posse do cargo. Insidiosa enfermidade levou-o ao túmulo a 9 de maio de 1874.

Como a saúde do Vice-Presidente — Dr. Joaquim Carneiro de Campos não lhe permitisse assumir a presidência da Associação, Luís Olímpio, num supremo esforço de boa vontade, aceitou a direção dos trabalhos, na qualidade de 2º Vice-Presidente. O primeiro cuidado dele foi preencher a vaga deixada pelo presidente, elegendo-se a 10 de julho o Conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas, que, alegando razões respeitáveis, pediu escusa desse encargo.

Luís Olímpio continuou no exercício da presidência, aguardando a eleição normal, cuja época se aproximava. Realizada esta, o Centro-Diretor teve os três primeiros cargos assim ocupados: Presidente, Dr. Manuel Teixeira Soares; 1º Vice-Presidente, Dr. Joaquim Carneiro de Campos (reeleito) e 2º Vice-Presidente, Luís Olímpio Teles de Menezes.

Do Relatório que Luís Olímpio apresentou à “Associação Espirítica Brasileira”, aos 17 de setembro de 1874, extraímos vários trechos interessantes, que vão a seguir:

“Os preconceitos, infelizmente arraigados no ânimo do maior número, têm sido um dos grandes obstáculos à propagação das salutares e regeneradoras doutrinas da filosofia espirítica.

“A fiel exposição dessas doutrinas não está ao alcance das multidões, porque as obras fundamentais não se acham traduzidas na língua vernácula; entretanto, preciso é aqui notar o valioso serviço que prestou “O Eco d’Além-Túmulo” — cuja publicação foi interrompida -, levando a ideia espirítica a todos os pontos do Brasil, de modo que hoje já se agita ela em todas as províncias, e já nalgumas se têm formado grupos e sociedades, como no Pará, Maranhão, Pernambuco e no Rio de Janeiro, onde as ideias espiríticas mais extensamente têm progredido, graças aos esforços de dois fervorosos adeptos, o Prof. M. Casimir Lieutaud e a Senhora Viúva Perret Collard, médium psicógrafo.”

O autor do Relatório expõe em seguida: a importância da vulgarização das obras fundamentais, revelando que o movimento no Rio “se tem tornado tão pronunciado que a Livraria Garnier foi autorizada a traduzir em português as importantes obras de Allan Kardec, e sou informado — conclui ele — de que em breve, sessenta dias quando muito, sairá à luz “O Livro dos Espíritos”, essa obra fundamental, base da filosofia espirítica”.

Em visões proféticas com relação às claridades que o “Consolador” espalharia em todos os lares e em todos os corações aflitos, Luís Olímpio expande sua alegria na antevisão dessa nova era, dizendo: “Essas novas gerações verão aparecer o amor e a liberdade, símbolos nobres da regeneração humana; e então, no meio da crença universal em Deus, as duas imensas chagas, que tanto corroem a vida social — o egoísmo e o orgulho —, desaparecerão.

Essa feliz transformação será devida ao Espiritismo — operar-se-á pela aceitação universal de sua filosofia.”

Finalizando, cheio de sadio entusiasmo, Luís Olímpio faz rápido histórico do movimento espírita mundial, declarando que as obras de Kardec penetravam todos os países, sendo que em dois deles, a Rússia e a Espanha, já haviam vertido para suas línguas as cinco obras kardequianas fundamentais do Espiritismo.

Missão cumprida

Diligente paladino dos ideais espiritistas, Teles de Menezes jamais, porém, se excedeu, conservando sempre uma linguagem nobre e serena nos seus arrazoados doutrinários. Era sócio de muitas associações espíritas da Europa e mantinha permanentes contatos epistolares com distintos confrades, daqui e dalém-mar. Colaborou no “Diário da Bahia”, “o primeiro órgão da imprensa brasileira que acolheu em suas colunas artigos em favor do Espiritismo”, no “Jornal da Bahia”, no “O Interesse Público” e em outros periódicos da cidade do Salvador. Exerceu as funções de Oficial da Biblioteca Pública da Bahia e reformou-se como tenente-coronel do Estado-Maior do Comando Superior da famosa Guarda Nacional, que teve papel saliente no Império.

Era, ainda, sócio honorário correspondente da Sociedade Magnética da Itália e membro do ilustrado corpo social do Conservatório Dramático da Bahia.

Cumprida a sua missão dentro do Espiritismo, de arrojado bandeirante da Doutrina dos Espíritos nas plagas de Santa Cruz, Teles de Menezes rumou para o Rio de Janeiro, onde fixou residência, passando, pouco depois, por volta de 1879, a fazer parte da distinta e culta corporação taquigráfica do Senado do Império, então sob a direção do esclarecido chefe da 1ª Secção da Diretoria Geral dos Correios, Sr. Joaquim Francisco Lopes Anjo, que prestou relevantes serviços ao País, tendo recebido várias condecorações.

No desejo de facilitar o estudo e a prática da estenografia no Brasil, onde eram raros os que realmente a conheciam, Teles de Menezes fêz editar no Rio de Janeiro, em 1885, o seu “Manual de Estenografia Brasillense”, com estampas litografadas, “fruto da experiência de longos anos” e do estudo comparativo de alguns métodos estenográficos publicados na Europa.

Teles de Menezes dedica a obra ao velho amigo Senador Manuel Pinto de Souza Dantas, “em testemunho de respeitosa admiração, estima e reconhecimento”.

Abre-se o mencionado “Manual” com uma extensa introdução do Autor, escrita em dezembro de 1884, em que se mostram as vantagens da estenografia, historiando-se, após, o movimento progressivo desta arte no mundo e particularmente no Brasil onde, segundo ele, talvez não houvesse vinte brasileiros que realmente a conhecessem, fato que o entristecia. Diz ele, a seguir, da experiência que acumulou em trinta anos de assídua prática na Assembleia Legislativa da Bahia e em já seis anos no Senado do Império.

Como fruto desta longa experiência e do estudo comparativo de alguns métodos de estenografia publicados na Europa, ele resolveu contribuir com um sistema próprio que, facilitando ainda mais o estudo e a prática da estenografia, despertasse nos brasileiros o desejo de aprendê-la e usá-la. Na segunda parte do livro vem então minuciosamente exposto o seu sistema, com exercícios demonstrativos, sistema que ele particularmente passou a adotar.

Além dos vários trabalhos que publicou, e que já registramos, deixou inéditos, ao desencarnar, grande número de outros.

A sua contribuição, em toda a parte, foi natural e despretensiosa, despida de razões que incluíssem vaidade ou inveja, movendo-o unicamente o desejo sincero de trabalhar pelo bem e pela felicidade do próximo e de nossa Pátria.

Segundo apuramos, Teles de Menezes só pôde trabalhar no Senado até mais ou menos 1892. A idade e uma nefrite crônica afastaram-no do serviço que lhe dava o pão material. O dirigente da secção taquigráfica daquela Casa legislativa, o Sr. Antônio Luís Caetano da Silva, em reconhecimento à dedicação do ex-taquígrafo, garantiu-lhe espontaneamente, num gesto de altruísmo, uma pensão que ajudava em algo o velho casal Menezes, constituído por ele e pela segunda esposa, a Sra. Elisa Pereira de Figueiredo Menezes.

Poucos anos de vida terrena restavam a Olímpio Teles e estes poucos ele os passou sob longos e dolorosos padecimentos causados pela nefrite, e que somente tiveram fim às 22 horas e 40 minutos do dia 16 de março de 1893. Neste dia e a esta hora, à rua Barão de São Felix, nº 165, com 68 anos, desatava ele o Espírito às claridades do Além-mundo, onde afinal iria receber o prêmio aos seus laboriosos esforços.

Desencarnou em pobreza extrema, sendo o seu enterro feito no Cemitério de S. Francisco Xavier a expensas de dois colegas taquígrafos, que lhe prestaram “os melhores serviços de amizade”[4].

“Reformador” de 1º de abril de 1893, num necrológio do valoroso extinto, terminava com as seguintes palavras: “Era um caráter digno de todo o apreço pela sua cultura e elevação de sentimentos, apurados por uma longa série de infortúnios que soube sempre suportar com honra e grandeza d’alma.”

Jornais do Rio e da Bahia, como o “Jornal do Commercio” e o “Diário da Bahia”, recordaram-lhe a vida e a obra em sucintos necrológios.

Reconhecendo o valor do grande baiano, três grandes Enciclopédias, a de Maximiano Lemos, a publicada por W. M. Jackson e a “Grande Enciclopédia Delta Larousse”, seguindo o exemplo do “Dicionário Bibliográfico Brasileiro”, de Sacramento Blake, e do “Dicionário Bibliográfico Português”, de Inocêncio da Silva, incluíram em suas páginas uma síntese biográfica de Luís Olímpio Teles de Menezes.

O nome e os feitos dessa figura apostolar de pioneiro, exemplo de tenacidade e fortaleza, conservar-se-ão indeléveis nos Anais da História do Espiritismo no Brasil.

Homenagens

Em 17 de Setembro de 1965, dois carimbos postais comemorativos, aprovados pelo Departamento dos Correios e Telégrafos, foram aplicados, nas cidades do Rio de Janeiro e do Salvador, em homenagem ao fundador do “Grupo Familiar do Espiritismo”. Nesse mesmo mês de setembro, a Câmara Municipal da Cidade do Salvador fez inserir na ata dos seus trabalhos “um justo preito de admiração à honrada memória do ilustrado e distinto Professor Luís Olímpio Teles de Menezes”.

Quase um ano depois, os representantes do grande povo da capital baiana homenagearam, pela segunda vez, aquele que foi venerável pioneiro espírita nas terras brasileiras. A 4 de dezembro de 1966, procedeu-se na cidade do Salvador (Bahia), às 15 horas, a inauguração da placa nominativa da Rua Professor Teles de Menezes, dando-se, assim, cumprimento à Lei número 1886/66, sancionada pelo Sr. Prefeito.

Fonte: Grandes espíritas do Brasil

[1] Veja-se o “Relatório da Associação Espirítica Brasileira, apresentado em sua sessão magna, celebrada em 17 de setembro de 1874, por Luiz Olímpio”, Bahia, 1874, página 3.

[2] Em “Discurso” de 12 de dezembro de 1873. (N. da Editora)

[3] Discurso lido na “Associação Espirítica Brasileira” na sessão geral de 12 de dezembro de 1873, por Luís Olímpio. Bahia, 1874.

[4] “Diário da Bahia”, 30 de março de 1893.